23.6.10

"Eu te amo".




Às vezes me pergunto se dizer "Eu te amo" muitas vezes desgasta e banaliza o seu significado. E tenho medo disso. Tenho medo de que a magia que se sente quando se diz ou quando se ouve pela primeira vez, se acabe, pela repetição, que se torna quase que automática. É como dar "bom dia" todos os dias a algum vizinho que passa por você, quando se sai de casa para ir à padaria. É um "bom dia" que se manifesta como um movimento reflexo. Impensado. Isento de significado correspondente ao que a expressão deveria significar.
E com o amor, será assim? Amar não é como ir à padaria comprar pão e leite para o café da manhã. Amar é mais, é muito mais. Mas fica, sim, a sensação de que, com o decorrer do tempo, as pessoas não mais se emocionam ao dizer ou ouvir aquela frase, porque dizê-la se torna um costume, um hábito, uma rotina. Uma rotina da qual eu tanto fujo.
Sinto-me a pessoa mais triste do mundo quando me deparo com isso. De verdade. Porque tenho um desejo insaciável de intensidade. De intensidade delicada, não aquela intensidade destruidora, que nos arranca de nós mesmos e nos atira em um beco imundo, trajando farrapos. Não. A intensidade de que tenho fome e sede é aquela que nos leva ao encontro de nós mesmos. Aquela que nos faz sofrer e sorrir, mas cada sensação é um encontro com a dor e a alegria de existir.
Não quero ouvir ao telefone aquela última frase lembrada, por força do hábito: "Eu te amo". Quero a carga emotiva desse significado. Porque ele ultrapassa o óbvio, o concreto, o conceito. Quero o entendimento da força do que se diz. Não a compreensão do que seja amar, porque isso eu jamais desejaria. Compreender o amor é limitar a capacidade de amar. Quero, sim, a compreensão da intensidade da frase. A sua não-banalização. A fé que nos enche de água os olhos, sem que saibamos explicar o que é o objeto da nossa crença. Amar é como acreditar em Deus, ou ter fé em qualquer outra entidade que fuja à nossa compreensão. Só se ama porque se é.
Eu sou, eu sou. Amém.

*Apelo à querida Clarice. Obrigada por me trazer um pouco de compreensão do que não compreendo.

17.6.10

Cativar...



"E eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens necessidade de mim.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
Mas a raposa voltou a sua idéia:
- Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música.
E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
- Por favor, cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o príncipe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me!
Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
Mas tu não a deves esquecer.
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."
(SAINT-EXUPERI, Antoine)

“... É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele...”.
(LISPECTOR, Clarice)