15.9.10

Sou mesmo complicada. Eu também não me entendo, mas é contraditório como me conheço bem, sobretudo no meu não-entender, sobretudo quando ando na contramão.

23.6.10

"Eu te amo".




Às vezes me pergunto se dizer "Eu te amo" muitas vezes desgasta e banaliza o seu significado. E tenho medo disso. Tenho medo de que a magia que se sente quando se diz ou quando se ouve pela primeira vez, se acabe, pela repetição, que se torna quase que automática. É como dar "bom dia" todos os dias a algum vizinho que passa por você, quando se sai de casa para ir à padaria. É um "bom dia" que se manifesta como um movimento reflexo. Impensado. Isento de significado correspondente ao que a expressão deveria significar.
E com o amor, será assim? Amar não é como ir à padaria comprar pão e leite para o café da manhã. Amar é mais, é muito mais. Mas fica, sim, a sensação de que, com o decorrer do tempo, as pessoas não mais se emocionam ao dizer ou ouvir aquela frase, porque dizê-la se torna um costume, um hábito, uma rotina. Uma rotina da qual eu tanto fujo.
Sinto-me a pessoa mais triste do mundo quando me deparo com isso. De verdade. Porque tenho um desejo insaciável de intensidade. De intensidade delicada, não aquela intensidade destruidora, que nos arranca de nós mesmos e nos atira em um beco imundo, trajando farrapos. Não. A intensidade de que tenho fome e sede é aquela que nos leva ao encontro de nós mesmos. Aquela que nos faz sofrer e sorrir, mas cada sensação é um encontro com a dor e a alegria de existir.
Não quero ouvir ao telefone aquela última frase lembrada, por força do hábito: "Eu te amo". Quero a carga emotiva desse significado. Porque ele ultrapassa o óbvio, o concreto, o conceito. Quero o entendimento da força do que se diz. Não a compreensão do que seja amar, porque isso eu jamais desejaria. Compreender o amor é limitar a capacidade de amar. Quero, sim, a compreensão da intensidade da frase. A sua não-banalização. A fé que nos enche de água os olhos, sem que saibamos explicar o que é o objeto da nossa crença. Amar é como acreditar em Deus, ou ter fé em qualquer outra entidade que fuja à nossa compreensão. Só se ama porque se é.
Eu sou, eu sou. Amém.

*Apelo à querida Clarice. Obrigada por me trazer um pouco de compreensão do que não compreendo.

17.6.10

Cativar...



"E eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens necessidade de mim.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
Mas a raposa voltou a sua idéia:
- Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música.
E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
- Por favor, cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o príncipe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me!
Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
Mas tu não a deves esquecer.
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."
(SAINT-EXUPERI, Antoine)

“... É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele...”.
(LISPECTOR, Clarice)

13.5.10

Pablo Neruda


"Quero apenas cinco coisas.
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando."

(NERUDA, Pablo. 1904 a 1973)

5.3.10

Cartas ao tempo. (11ª)


Um lugar qualquer, 05 de março de 2010.

Escrevo agora aquela carta pendente, cuja composição ficou postergada no tempo.
Minhas cartas não possuem destinatário. Em verdade, nunca possuíram. Foram cartas ao tempo, ente abstrato. Cartas com identidade de remetente e destinatário. Cartas a mim própria, à minha solidão por vezes povoada.
Escrevo esta última, para não me deixar sem resposta.
E devo dizer que esta é a minha mais verossímil composição, a que eu melhor me expressei, com toda a plenitude do que sou.
Vou começar:

Cartas ao tempo. (10ª)


Um lugar qualquer, 27 de junho de 2009.

Há tempo para tudo, há uma trajetória que deve ser seguida e respeitada, ainda que seja traduzida em silêncio. E como o silêncio é um poderoso caminho!
Só quero escrever quando houver respeito à minha trajetória, ao meu tempo de amadurecimento. E por isso cá estou novamente: porque as palavras que ainda ontem estavam verdes, hoje estão tão maduras quanto a minha dor e a clareza com a qual miro os segundos que escorreram dos meus dedos.
O Tempo tem sido muito bondoso comigo, fazendo-me crescer de dentro pra fora, através do aprimoramento dos meus sentidos e dos meus sentimentos para com o mundo e, principalmente, para com as pessoas. O Tempo tem me feito questionar toda a realidade aparentemente tão certa e tão sólida. Tem me feito indagar até que ponto os laços que criamos são verdadeiros; até que ponto não são forjados pelos interesses que inventam os sentimentos. E essas perguntas me trouxeram uma certeza tão absoluta quanto a vida e a morte: só o tempo acertará ou desatará os laços, falsos ou não.
E depois de uma tempestade que tive de atravessar sozinha, criei raízes mais fortes em mim. Mas assim que cessou o período de turbulência, senti-me acolhida e abraçada por pessoas que sempre estiveram à espreita em minha vida, pessoas que zelam pelos meus passos e que, com a força de suas palavras, fazem raiar aurora em meu coração secular.
Por mais que haja amparo de pessoas queridas, as adversidades são, essencialmente, períodos a serem enfrentados por um “cavaleiro solitário”, com uma rosa em punho e o olhar sempre adiante. É realmente muito desgastante deparar-se com a completa solidão à luz do dia, sem pudor. Mas eu nunca tive mesmo pudor para ser-me só.

Cartas ao tempo. (9ª)



Um lugar qualquer, 13 de fevereiro de 2009.

Antes de tudo, sou feita de noite. Sou sempre noite e caminho em direção a mim no escuro de minhas entranhas.
Eu tenho medo de pisar em falso. Tenho medo de ser atropelada enquanto cruzar uma das ruas do meu país imaginário. Tenho medo de me perder e nunca sei como voltar. Não sei para onde vou, caminho no escuro. Mas minha vontade de seguir e minha fé em um grande encontro que me fará eterna são maiores do que o medo de continuar.
Estou triste. Mas sempre estou triste. Mesmo a minha alegria é povoada de uma tristeza que é inerente ao meu ato incessante de esperar.

Cartas ao tempo. (8ª)


Um lugar qualquer, 18 de dezembro de 2008.

Estou procurando. Estou buscando desesperadamente algo que não sei explicar, como se eu persistisse em minha existência em virtude da esperança de encontrar este algo que me é essencial. Tateio no escuro com as mãos vazias, sempre vazias. Sigo no escuro, com os olhos tristes e desejosos.
As palavras tornam-se pequenas e insuficientes em certos momentos em que eu não caibo dentro de mim, em momentos em que parece que tudo é vão e que, por mais que brotem palavras das minhas mãos ansiosas, não haverá tradução para o que habita a escuridão e o mistério de uma noite despovoada de sonhos e de estrelas.
E, no entanto, sei que minha fraqueza é temporária, sei que estou desistindo para acreditar de novo, para buscar força nesse momento em que não sou nada por não conseguir expressar o todo que me torna tão pesada de ser-me.
Não há outra forma de viver se não lutando por ideais, mesmo que pareçam sem sentido, pois a própria vida não faz sentido e isso faz dela ainda mais extraordinária. Não há outra forma de viver, sobretudo, se não acreditando, tendo fé, pois sem a fé não há sonhos e sem sonhos não há motivo para existir.

Cartas ao tempo. (7ª)


Um lugar qualquer, 15 de novembro de 2008.

Na verdade, nossa “solidão triste” não nos permite ver que há sim, alguma coisa. Algo maravilhoso que sempre há por trás das pessoas que se reconhecem sós e que encontram beleza na solidão. Que se permitem uma alegria e uma melancolia no mesmo ser.
Certa vez disseram-me que o momento em que nós mais evoluímos, é aquele em que acreditamos que não há nada, que "nada acontece" (En attendant Godot, Teatro do Absurdo), que a nossa vida parou enquanto tudo continua lá fora.
Mas vou lhe dizer. Há sempre um silêncio, uma solidão muito entregue a si mesma e uma potência que parece nunca ter fim para anteceder um movimento. Um movimento que não prevemos, que não esperamos. E você saberá que a solidão se eleva, sim, mas que ela te eleva também. “Minha força está na solidão. Não tenho medo das chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.” (Clarice Lispector).
A escuridão sempre antecede o raiar de um novo dia.

Cartas ao tempo. (6ª)


Um lugar qualquer, 29 de setembro de 2008.

De fato, a condição humana nos faz criar coisas inefáveis, mas também nos faz destruir e desprezar aquilo que não pode ser convertido em valor econômico. Infelizmente, habituamo-nos a dar excessivo valor à matéria, às coisas terrenas, que podem ser reconhecidas e comprovadas e apoiamo-nos em um Deus apenas para não deixarmos de acreditar que, apesar de estarmos tão centrados em nós mesmos, em nosso ego, ainda temos perdão... Para que possamos deitar nossas cabeças no travesseiro e dormir bem, enquanto 23, 3 milhões de pessoas no Brasil estão abaixo da linha da pobreza; ¼ da população mundial “vive” com US$ 1,25 ao dia... Sabe, meu coração quer explodir!
Não sei se o homem é bom por natureza e a sociedade o corrompe, conforme defendeu Rousseau. Para ser franca, creio que ninguém é bom, mas também não somos completamente maus. Penso que não somos completamente nada! Não enxergo o mundo e nem a nós mesmos de forma maniqueísta. Mas sabemos que o ser humano é movido por seus desejos. E sabemos, por experiência própria e alheia, que o 1° desejo que o move é individual. O problema, é que em meio a uma sociedade fortemente individualista, como a nossa, focamos única e exclusivamente nesse individualismo, esquecendo-nos do outro ou vendo-o apenas como objeto, não como sujeito e, portanto, como nosso semelhante!
É, usamos de várias máscaras para encobrir as mazelas da alma humana. Para falarmos de igualdade, liberdade, respeito e fé sem termos que nos olhar no espelho para ver o que realmente somos... Ou para não termos que encarar o que nos falta. Nossos conceitos de liberdade e igualdade são forjados, são inventados e impostos para que não nos perguntemos como é possível ser livre e igual na miséria.
Embora eu esteja com você, estamos sozinhos. No fim das contas, todos nos resumimos a nós mesmos. Sigamos sós, mas rezo para que a solidão de todos possa me acompanhar em um caminho que, mesmo que ainda esteja deserto, possa um dia ser povoado... Um caminho que leve à verdadeira e efetiva igualdade e à união entre todos os povos, entre toda a irmandade humana e cósmica.

Cartas ao tempo. (5ª)


Um lugar qualquer, 05 de setembro de 2008.

Como é maravilhoso ser humano! É tão inerente à natureza humana a capacidade de se expressar, que nem nos damos conta de quão grandioso isto é. Cá estamos, trocando impressões do mundo, das pessoas e de nós mesmos. Estamos nos imortalizando nesses papéis em branco, imortalizando nossos sentimentos de ser no mundo.
Viver é um dom, uma surpresa a cada dia. É estar caminhando sempre sem nem mesmo saber o destino certo, sem ao menos ter a certeza do amanhã. Viver é um ato de coragem! Viver é amar loucamente e não ter reciprocidade. É chorar escondido enquanto a noite também parece dormir e te abandona à sua própria solidão de existir. Viver é estar só quando se está cercado por inúmeras pessoas. Viver é ter surpresas que te fazem saber que viver vale a pena! É se apaixonar a cada dia e, um belo dia, descobrir que todas as decepções não foram em vão, porque foram degraus para alcançar o mistério do limite da força humana.
Quão forte somos nós? Quão corajosos somos para nos assumir perante a vida?

Cartas ao tempo. (4ª)


Um lugar qualquer, 24 de agosto de 2008.

De fato somos constantemente colocados à beira de um abismo por mostrar quem realmente somos e o que realmente sentimos. Mas a verdade é que nem todos estão dispostos a sentir essa vertigem de quem parece estar prestes a cair, justamente porque a sociedade nos ensina a ser iguais e a satisfazer os desejos do sistema dominante. Somos enquadrados e homogeneizados e tornamo-nos meros fantoches reprodutores de emoções, de pensamentos, de crenças, de moda... Abandonamo-nos. E pergunto: qual o abismo maior? Cair em nós mesmos e para nós mesmos ou abandonar o que somos em prol da sobrevivência do sistema?
É muito fácil e cômodo aceitar as imposições da sociedade. É melhor não ter que ser ignorado nem desprezado por não ser igual. É difícil não ser tragado pela força violenta e dominadora da massa social. É difícil dizer não quando todos dizem sim. Mas de que vale a vida se vivida em uma prisão onde não há espaço pra crescer?
Certa vez li uma frase, cuja autoria desconheço, mas da qual nunca me esquecerei; dizia mais ou menos assim: nascemos todos diferentes e morremos cópia. Não quero ser uma cópia, não quero ser uma máquina reprodutora! Creio que quando Clarice Lispector disse que a maior necessidade do homem é tornar-se humano, ela estava coberta de razão e, convenhamos, ainda está coberta de razão e possivelmente, sempre estará. É urgente que tornemo-nos humanos, que tornemo-nos nós mesmos.
Vou cair sempre nesse abismo que me abandona a mim mesma. E vou estar feliz assim, porque o que vier, vai ser verdadeiro e eterno, não vai ser mero reflexo, mera reprodução.

Falling forever.

Cartas ao tempo. (3ª)


Um lugar qualquer, 13 de agosto de 2008.

Sabe...? Muitas pessoas me perguntam se sou feliz. Não tenho resposta para essa pergunta. Respondo-lhes: estou feliz ou não estou feliz. Creio que a felicidade e todos os demais sentimentos ou estados de espírito são, de fato, estados. Passam. Sou... Eu! Eu está feliz, ou está triste. Eu estou... E o estar se vai junto com uma notícia, junto com uma fase da lua, junto com uma espera... Muitas esperas... Mas o que sou não se vai. O que sou é eterno... A eternidade do meu ser no instante que é.
Sim, brindemos à vida e a todas as maravilhas a ela agregadas! Brindemos até mesmo às dores, que constituem a parte mais essencial da vida. E, sabe? As dores também têm sua beleza, mas na verdade ainda não sabemos aprecia-la. A dor é como um quadro pendurado na parede, que incomoda muito e que gera um sentimento de desprezo que nos faz passar por ele sem encará-lo e desvendá-lo... E este é nosso mal: o corredor onde ficou aquele quadro continua lá, escuro e abandonado, mas vivo nas esquinas da memória. Aquele caminho ignorado. Aquele caminho não assumido. A dor não assumida. “A vida é a dor de se ter. Amar a vida é assumir a sua dor.” (Carlos Lucena).

Esperando sempre...

Cartas ao tempo. (2ª)



Um lugar qualquer, 07 de agosto de 2008.

Não creiamos que a jornada perca o sentido toda vez que nos deparamos com a necessidade de ter que desistir um dia. Creiamos, sim, que a jornada da vida tem um sentido e que desistir faz parte desta construção que constitui nossas próprias vivências, porque essa decisão tão difícil tem por fim abrir novas portas, embora outras sejam fechadas. E quando se abrem novas portas, abrem-se com elas novos caminhos repletos de sentidos a serem descobertos por nós.
Tantas vezes temos que dizer adeus! Tantas vezes temos que fechar a porta esperando que alguém ponha os pés ao pé da porta e ninguém vem! E a porta se fecha e nós ainda olhamos para trás. Mas o tempo não pára e nem dá trégua. O tempo continua a correr e devemos deixar-nos levar pelas asas do tempo, sem prendermo-nos a um instante ou a um tempo que já passou, sem querer reter o tempo entre nossos dedos, porque esse ato de desespero nos aprisionaria em uma dimensão estática, na qual ficaríamos perdidos enquanto a vida continuaria lá fora, repleta de possibilidades, repleta do futuro tão deliciosamente desconhecido.

Cartas ao tempo. (1ª)



Um lugar qualquer, 05 de agosto de 2008.

Os princípios são tão difíceis e necessários quanto os fins, porque são ambos novos e desconhecidos e ambos exigem um esforço que muitas vezes nos é bastante penoso: para o fim, o esforço de desistir e aceitar, para os princípios, o esforço de ter coragem e se arriscar.
Hoje estou tendo coragem de me arriscar a escrever-te essas linhas, com a humildade de um coração deveras desenganado, enquanto vivencia este fim e tenta se fazer forte o suficiente para desistir de esperar por algo que, na verdade, resume-se a mim própria, porque os outros são a projeção dos meus desejos tantas vezes contidos e tantas vezes escancarados e desnudados perante a escuridão e o frio que embalam todas as pequenas mortes da minha vida. Sim, padeço hoje nas esperas e desilusões grávidas de mim...
Neste momento eu me deito nestas linhas e tento repousar em minhas palavras. Tento devorá-las para que possa acreditar nelas verdadeiramente, para que elas se impregnem em meu corpo e me façam ter a coragem e a certeza de que desistir é, de fato, a decisão mais difícil com que nos deparamos em nossas “pequenas-grandes” vidas.
Há uma calma se fazendo presente em meu semblante, outrora agitado e esperançoso; uma tristeza contida e potencial que me dá a capacidade que hoje manifesto de encarar um novo começo, de parir-me e nascer ao mesmo tempo para mim mesma. Há o reconhecimento de que devo reencontrar-me e sorrir para a companheira que me tem acompanhado em minha trajetória longínqua: a Solidão.

16.2.10

SÓ SE VIVE POR UM TRIZ...

Só se vive por um triz. “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia” (W. Shakespeare). Eu realmente gostaria de te dizer palavras reconfortantes, mas diante da morte, que é a única certeza que se tem na vida, embora seja ela também um dos maiores mistérios que nós temos em vida, diante dela, eu não me sinto capaz de dizer nada. Como posso eu ousar falar de algo que ninguém sabe explicar, algo que ultrapassa meu entendimento. “Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento.” (Clarice Lispector).

Que poderei dizer-te eu? Que Deus sabe o que faz? Que havia um propósito maior? Não. Eu estaria mentindo para você. Eu estaria mentindo para mim mesma, porque tampouco eu creio nisso. Mas também não sei explicar. A morte dói. Isso eu sei. Sei porque acabo de morrer com sua dor... . Já morri simbolicamente muitas vezes em vida, e ainda assim, estou viva. Será a morte do corpo e da alma algo como uma passagem, um instante, uma dor imensa que depois passa e só fica a vida? Será que há, de fato, uma vida após a morte? Não religiosamente falando, mas uma vida que ultrapassa, também, o nosso entendimento, já que não cabe mais nesse mundo. Esse pensamento é reconfortante... pensar que, mesmo depois de morta pra nós e pra ela mesma, estará caminhando rumo a uma nova vida. Mas sei que nossa dor não passará com esse pensamento, ainda assim, não passará. Será uma dor intensa, e depois potencial, se desgastando com o passar do tempo, como se ela se confundisse com o tique-taque do relógio, e se dissipasse, ou se transformasse em algo inexplicável que emana de nossos olhos, de nossos olhares aflitos e observadores. De olhares que guardam um mundo inteiro por trás, uma história, uma cruz que não cabe a mais ninguém levar.

Na vida acontecem coisas realmente inexplicáveis. Coisas boas. Coisas ruins. Coisas inacreditáveis. E podemos passar toda a nossa existência tentando compreender, mas nunca chegaremos a uma resposta. E vamos deixar a vida passar por nós sem tê-la vivido. Há coisas que não são passíveis de fazer sentido. Certas coisas, meu amigo, só existem para serem sentidas, sem nenhuma pretensão de compreensão.

15.1.10

A Casa ao Lado

2005


Há coisas muito singelas, tempos singulares, que não voltam mais, mas parecem nunca sair da nossa memória... Apenas há mudanças de sorrisos, de lágrimas, de cores, quando revivemos tais momentos, revolvendo as nossas lembranças. Uma das minhas mais doces memórias diz respeito à casa dos meus avós, a casa ao lado. E dia desses, encontrei um texto que fiz, há 5 anos atrás, a respeito dessas minhas lembranças. Antes que eu o perca de vista...
A casa dos meus avós é a minha infância e a minha juventude, que ainda vivo, coexistindo na sala, repleta de estantes que abrigam "Romeu e Julieta", "Senhora", "Dom Casmurro", "Meu pé de laranja-lima", entre outros.
Ainda posso reviver as espionagens secretas que eu fazia debaixo da mesa do jantar, atrás do armário do quarto do casal.
Cresci com as rosas, as margaridas, os copos-de-leite e as azaléias do jardim que meu avô (voinho!) cuida com carinho todas as manhãs.
Ainda me vejo brincando escondida no escritório de vovó, digitando minhas histórias de faz-de-conta na velha máquina de escrever, que funciona até hoje, tão bem quanto as minhas lembranças!
E as quintas-feiras continuam as mesmas: vovô vai para a fazenda, trazendo domingos com cheiros e sabores de bananas, limões e requeijões.
O grande terço de madeira que enfeita a parede do quarto de vovó ainda me lembra as orações à Virgem Maria e aos anjos-da-guarda, que ela me ensinou.
Vovô ainda me dá um real sempre que o abordo com aquela cara de moleca dengosa.
Durante as tardes dos meus dias, eu recorro à cada dos meus avós para ler meu horóscopo, na 2ª página do caderno "Em Cultura", do jornal "Estado de Minas".
Quando tem prova, estudo na casa deles, pois é lá que eu mergulho na História , na Física e na Literatura (que eu amo!), auxiliada pelo silêncio das doces lembranças e motivada pelo desejo de ainda viver tempos tão saborosos na casa ao lado.